Há um local, um lugar dentro de mim...

Almir Abreu, 12 de junho de 2023

 

Sim, há em algum lugar dentro de mim, uma parte, um local que abriga o “coração”. Não o coração matéria, músculos que se contraem em um sistema intrínseco para promover a propulsão de sangue pelo corpo, mas o “coração” que simboliza a alma em nossa corriqueira linguagem cultural em que estamos inseridos e, por fim, assim denominamos, podemos dizer, inconscientemente, nossa fala da palavra “coração” e em lapsos e, quem sabe, em colapsos, demonstramos o significado de nossa alma.

Um lugar que pulsa a coragem para olhar para aquilo que muitas vezes não quero olhar e, então poder ver o que o consciente abranda e esconde a cada instante, distante, numa memória que se disfarça corriqueiramente por meio de minhas certezas e verdades constituídas sorrateiramente a cada nova contração do coração matéria.

Sim, quem sabe, poder ver o local longe desse coração que impulsiona minhas células na mesma direção das memórias impostas pela construção de minha atual personalidade, a qual meu consciente afirma, reafirma, confirma e assim valida a todo momento. É, assim creio estar vivo em virtude dessa ritmicidade, e diria, para além das comprovações científicas, que há um lugar divino, misterioso, se assim eu puder olhar com uma certa distância.

Acho que são bonitas palavras e, inspiradas talvez, por essa força misteriosa que realiza em mim as constantes contrações cardíacas, mas que no dia de ontem, quase véspera de meus 62 anos, tive condições de olhar daquele lugar da alma, distante por assim dizer, situações corriqueiras e mágicas, inspiradoras e desafiadoras, que me tocaram o “coração”.

A primeira delas foi logo pela manhã, após minha saída para caminhar com a Alice, minha sheepdog, que me acompanha todos os dias ao longo de 5 km, peguei minha bike e parti para meu pedal domingueiro até Águas da Prata. No meio do caminho encontrei uma pessoa, também pedalando, que me perguntou até onde eu iria e me convidou para seguirmos juntos, caso eu não fosse muito rápido. Fomos até a Fonte do Padre, onde paramos para reabastecer nossas garrafas de água e, parados, aprofundamos um pouco mais nossa conversa e perguntei-lhe a sua idade. 87! É, minha resposta foi, lógico: 87!? E eu achando que eu estava pedalando bem, né? Mais que sua idade, admirei o brilho em seus olhos e a satisfação em sua fala. Sim, havia ali uma comprovação do lugar que me refiro no início do artigo – naquela fala havia a voz de um “coração”, apaixonado pela vida.

A segunda, talvez impactado pelo encontro com o novo amigo (tomo a liberdade de assim chamá-lo), talvez pela visita que fiz à casa de minha mãe que conta com seus quase 87 também porém necessitando de alguns cuidados especiais e que não cabe aqui descrever , antes de dormir fui realizar uma atividade que poucas vezes faço, confesso: arrumar a cozinha, ou seja, lavar a louça do jantar. Havíamos acabado de assistir um filme, eu, minha esposa e minha filha e, ao passar pela cozinha, percebi que ali havia algo de muito especial: um convite para acessar o coração.

É, lá fui eu e, pela primeira vez em minha vida senti que estava realizando essa tarefa com o coração, não com as mãos ou o corpo alimentado pelas contrações musculares e pela referida propulsão do sangue em meu corpo. Minha alma estava presente e senti um profundo prazer em realizar uma atividade corriqueira, movido pela alma, pelo “coração”. Me senti estranho e sem entender o que estava acontecendo. Simples, como deveria ser todo instante, todo momento ou qualquer outro movimento que estiver envolvido, percebi a cada movimento da atividade, que durou pouco mais de 10 minutos, que era como se fosse uma eternidade, um presente divino que me permitiu realizar e me sentir completo. Simples. Sim, simples assim. Até estranho... confesso.

Ao final pensei em todo o meu movimento junto ao mundo corporativo e em meus atendimentos em meu consultório de psicanálise. Há algo que ainda precisarei analisar um pouco mais para encontrar o significado da experiência desse dia muito especial.

E, quanto ao mundo corporativo, necessitamos urgentemente olhar para o RH com olhares diferentes. Minha questão foi: como levar para as empresas essas experiências de realizações de atividades simples, corriqueiras, com o “coração”? Vejo muitas ações e decisões sendo determinadas com o olhar e com foco apenas para o “R” do RH, os recursos. Está passando da hora de olharmos para o “H”, para o humano. O “R” sei que está muito bem estruturado diante de tantos estudos, casos, demonstrações de resultados, mensurações, comparações efetivas e tudo o mais que as empresas estão promovendo. Há sim uma enorme lacuna quando olhamos para o “H”, pois para mim, agora como psicanalista, que está ficando cada dia mais desafiador olharmos para nós mesmos como “humanos” em nosso campo pessoal. Quem dirá no campo profissional, ou naquelas relações que denominamos como “profissionais” e que muitos realizam como se não fosse parte integrante de sua vida. Assim geramos e multiplicamos tantos e tantos distúrbios nas pessoas dentro das organizações. Os “corações” e corações padecem...

Queremos acelerar o “R” e perdemos o “foco”. Uau!!! Estamos sendo monitorados como máquinas, como Recursos de produção e não como Humanos. Tenho comigo que quando utilizamos nossos “corações” não perdemos o foco. Agora, escrevendo essa reflexão não perdi o foco, meu “coração” está pulsando na mesma intensidade com que apertei a primeira tecla para compor essa conversa, essas palavras.

Precisamos, urgentemente, encontrar o pulso de nossos “corações” em cada atividade que realizamos, não somente dentro das empresas, mas ao pedalar, ao visitar nossos pais, nossos amigos, ao lavar a louça, ao assistir um filme no “quentinho” da sala, como falamos aqui em casa e etc.

Sim, há um local dentro de mim onde o coração pulsa e faz os olhos brilharem a cada passo. Há uma nova forma de habitar a mim mesmo e pisar na terra...

 

 

Desafios da liderança em tempos de grandes transformações

Sérgio Salazar

O que significa ser líder nestes turbulentos tempos atuais?

 

Como todos sabemos, nos últimos anos a função de liderança nas organizações tem passado por profundas transformações. A velocidade das mudanças aumentou significativamente, impulsionada pela tecnologia de informação, a complexidade ampliou-se pelo volume de variáveis e de informações, as novas gerações querem ser ouvidas, a competitividade dá-se em escala global.  Além disso, temos o agravante de um cenário de aguçamento da violência, de catástrofes ambientais e de um mundo e um país em crise. Tudo isto agravado pela pandemia que marcou o ano de 2020 na história da humanidade.

 

Todos estes fatores requerem do líder um conjunto de habilidades organizacionais, disciplina de execução e resiliência para ajustar-se à dinâmica da sociedade e lidar com incertezas inerentes a estes tempos de mudanças.

 

Diante de tantos desafios, como manter sua motivação, capacidade de trabalho e liderar uma equipe na busca de resultados sustentáveis?

 

Aqui está o maior desafio do líder: liderar a si mesmo!

 

Ser líder, portanto, antes de tudo, é ter consciência sobre seus valores e propósito pessoal, é ter um compromisso implacável com sua integridade, com seu equilíbrio, com sua ética, com sua saúde.

 

Somente a partir disto é possível nutrir relações pautadas pela inteligência relacional, a qual considera os valores e propósito de cada integrante de sua equipe, seus objetivos e seus sentimentos, que, na expressão de Humberto Maturana, trata o outro como legítimo outro.

 

Assim, o líder, além de direcionar sua equipe para os objetivos organizacionais, trabalha incessantemente para alinhá-los com os objetivos da equipe, cria contextos e conversas com sua equipe, dialoga sobre a aderência das atividades com os valores da organização, convida seus colaboradores a participar da construção das estratégias, estabelece acordos claros de forma compartilhada, desenvolve em si mesmo, cotidianamente, as competências técnicas e, principalmente, as competências relacionais.

 

O líder não apenas passa atividades ou tarefas aos seus colaboradores, e sim, ao fazê-lo, dá significado às mesmas. Mais do que resultados, o líder desenvolve o senso de equipe, é exemplo de conduta, é educador de cidadania, está permanentemente atento à sua imagem, à imagem da equipe, de sua área, de sua organização.

 

O líder é capaz de rever suas crenças e modelos, desapegando-se de velhos padrões e buscando sintonizar-se com as exigências e oportunidades dos novos tempos, exercitando seu papel de agente de mudança da cultura organizacional. É o buscador de seu propósito e de seus objetivos, o desbravador de caminhos, o semeador de bons exemplos por meio de suas ações, e é merecedor, juntamente com sua equipe, dos frutos da construção compartilhada.

 

O verdadeiro líder compreende claramente que o seu papel vai muito além dos atributos circunstanciais de seu cargo e das fronteiras dinâmicas da sua organização. Ele sabe que, como educador, sua ação está conectada com a responsabilidade social e ambiental, necessária à sustentabilidade das relações entre as pessoas e destas com sua comunidade e com seu planeta.

 

O líder é flexível em relação às diferenças individuais e à velocidade de aprendizagem de cada um, porém implacável em relação ao compromisso com a ética. Combina com maestria a sua coragem - ao dizer o que precisa ser dito, sem rodeios - com a empatia - o respeito e consideração pelo outro. Em outras palavras, o líder pratica, com assertividade, a arte de se expressar, de perguntar e de escutar. Seu jogo é o ganha-ganha, fundamentado no desenvolvimento de relações de confiança.

 

A grande prova do líder se dá nos momentos mais críticos, em que deve tratar conflitos, superar limites, dizer coisas que podem desagradar a outros. Porém, ele faz isto calcado no respeito que tem às suas mais nobres convicções e no respeito genuíno que cultiva pelo seu interlocutor.

 

O líder, a cada dia, pergunta-se: Qual é o meu propósito? Tudo o que estou fazendo está de acordo com meus princípios e valores? A que e a quem estou servindo? O que posso fazer diferente para alcançar resultados extraordinários de forma inspiradora? O que faço para desenvolver e motivar minha equipe? Qual é o legado que estou deixando? Sou feliz?

 

Cada um de nós compõe a sua história.

Cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz!

Almir Sater e Renato Teixeira

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